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domingo, 30 de agosto de 2020

CONTAMINAÇÃO DAS ÁGUAS PELA MINERAÇÃO

 Notas sobre Contaminação de Águas por Trabalhos Mineiros. Exemplo de Diagnóstico por Zonas de Amostragem

Artigo de Carlos A. de Medeiros Filho

[EcoDebate] As operações de mineração, de tratamento e concentração de minérios e descarte de rejeitos fornecem fontes óbvias de contaminação no ambiente da superfície, combinada às águas residuais das minas e dos moinhos (Adriano, 1986). Os rejeitos de minas são fontes de elementos potencialmente tóxicos, maiores e traços, para o ambiente da superfície da Terra.

A oxidação de sulfetos pode introduzir altas concentrações de metais, ácido sulfúrico (íons hidrogênio) e íons sulfato na água das descargas de minas (Fuge et al., 1993). A geração de drenagem ácida e a liberação de água contendo altas concentrações de metais dissolvidos a partir de resíduos de minas são um problema ambiental de escala internacional (Blowes et al., 2003), podendo ser responsáveis pela poluição e degradação das águas subterrâneas, córregos, rios e bacias.

Os metais pesados e os elementos traços são uma grande preocupação devido à sua natureza persistente e bioacumulativa e podem representar um risco potencial à saúde dos residentes nas proximidades das áreas de mineração (Myung, 2001).

Abraham & Susan (2017) estudaram a contaminação de água por elementos maiores e traços da Mina de Cu de Kilembe (W-Uganda), procurando avaliar as fontes e concentrações desses elementos na bacia hidrográfica de Kilembe, que no seu percurso cruza a zona de influência do depósito e dos materiais das antigas operações da mina. Amostragem de água dos rios foram desenvolvidas entre junho e setembro de 2014, com análise por ICP-MS.

A mina Kilembe está localizada a 10 km a oeste da cidade de Kasese, nas encostas da montanha Rwenzori, no oeste de Uganda. A mineração e o processamento de cobre em Kilembe, de 1956 a 1982, deixaram mais de 15 Mt de pirita cuprífera e cobaltífera despejada ao longo do vale do rio (Abraham & Susan, 2017)

A mina Kilembe está localizada a 10 km a oeste da cidade de Kasese, nas encostas da montanha Rwenzori, no oeste de Uganda

Fonte: Abraham & Susan (2017)

A área estudada abrangeu o vale de Kilembe, dividida pelo rio Nyamwamba, que se origina na cordilheira de Rwenzori. Na figura 1, a região amostrada pode ser dividida em três zonas: Zona 1 no curso superior do Rio Nyamwamba antes de atingir a mina de Kilembe, Zona 2 abrange a mina de Kilembe e os locais de rejeitos e Zona 3 a jusante da mina e dos depósitos de rejeitos.

Resultados geoquímicos da pesquisa de Abraham & Susan (2017) foram tratados a partir dos teores médios de águas de rios em quatro setores da bacia hidrográfica. Dois setores (Montante Mina e Tributários) correspondem a amostragens em tributários do Rio Nyamwamba ou a montante da antiga mina. Os resultados dessas duas zonas, portanto, não estariam afetadas pelos trabalhos mineiros. Os outros dois setores (Mina Kilembe e Jusante Mina) correspondem a amostras ao longo ou a jusante da mina e, consequentemente, podendo ter sido contaminadas pelos trabalhos e rejeitos mineiros.

A figura 2 indica, claramente, aumentos dos teores médios de Co, Cu, Ni e Zn nos setores “Mina Kilembe” e “Jusante Mina”.

Figura 2

A figura 2 indica, claramente, aumentos dos teores médios de Co, Cu, Ni e Zn nos setores “Mina Kilembe” e “Jusante Mina”. Esses comportamentos assinalam, portanto, contaminações desses metais tóxicos nas águas, causados principalmente por: (i) metais pesados provenientes de águas anômalas lixiviadas da mina (ii) oxidação e liberação de metais pesados e elementos traços derivados de pilhas de rejeitos. Abraham & Susan (2017) relatam que Co apresentaram os teores acima dos limites de água potável de Wisconsin (EUA) de 40 mg/L em 53% das amostras do rio Nyamwamba.

A figura 3 apresenta os teores médios de As, Pb, Al e Fe. Para arsênio, observa-se um aumento no setor de influência da mina (“Mina Kilembe”)

Figura 3

A figura 3 apresenta os teores médios de As, Pb, Al e Fe. Para arsênio, observa-se um aumento no setor de influência da mina (“Mina Kilembe”), indicando uma anomalia ou contaminação localizada e não extensiva. Por outro lado, as distribuições dos teores médios de Pb, Al e Fe não mostram uma relação direta de aumento nos setores influenciados pelos trabalhos mineiros, sendo que alumínio apresenta média mais alta à montante da mina. As mineralizações de Cu-Co de Kilembe não estão associadas ou enriquecidos com Pb, Al e Fe e, consequentemente, esses elementos mostram um comportamento geoquímico similar ao background regional.

Essas notas, em síntese, procuram discutir a importância do estudo geoquímico multielementar no entorno de sítios mineiros ativos ou abandonados, por ser eles fontes óbvias de contaminação de metais tóxicos no ambiente da superfície. Busca, também, dar um exemplo da positiva aplicação do diagnóstico ambiental a partir de um método de amostragem de distintas zonas geoquímicas, no sítio mineiro e seu entorno.

Referências Bibliográficas

Abraham, M.R.; Susan,T.B. 2017. Water contamination with heavy metals and trace elements from Kilembe copper mine and tailing sites in Western Uganda; implications for domestic water quality / Chemosphere 169 (2017) 281-287

Adriano, D.C., 1986. Trace Elements in the Terrestrial Environment. Springer-Verlag, New York.

Blowes, D.W.; Ptacek, C.J.; Jambor, J.L.; Weisener, C.G. 2003. The Geochemistry of Acid Mine. Treatise on Geochemistry. Elsevier Ltd. Pp. 149 – 204.

Fuge, R.; Pearce, F.M.; Pearkins, W.T. 1993. Geochemistry of Cd in the secondary environment near abandoned metalliferous mines. Wales. Appl. Geochem. Suppl. 2, 29-35

Myung, C.J., 2001. Heavy metal contamination of soils and waters in and around the Imcheon Au-Ag mine, Korea. Appl. Geochem. 16, 1369 – 1375.

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/08/2020

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sexta-feira, 28 de agosto de 2020

EFEITOS DE IMPACTO NA SÍLICA

 

Estudo pode ter revelado o que acontece com a sílica após impactos espaciais

Por Danielle Cassita | 27 de Agosto de 2020 às 17h18


Pesquisadores liderados por Sally June Tracy, da Carnegie Institution, desenvolveram um estudo para entender, afinal, que tipo de efeito os minerais terrestres podem sofrer após o impacto de um objeto espacial, além do que isso pode nos ensinar sobre os minerais que existem nas condições extremas do interior do nosso planeta. Os resultados foram publicados no periódico Science Advances.

A pesquisa foi feita junto de pesquisadores da Universidade Estadual de Washington e Princeton, que utilizaram uma pistola de gás para disparos de projéteis em altíssimas velocidades em amostras de quartzo, que contém sílica. Depois, o time utilizou instrumentos especiais de raios-X para analisar a estrutura cristalina do material que se forma a menos de um milionésimo de segundo depois do impacto. Assim, eles recriaram um cenário próximo do que aconteceria durante o impacto de um asteroide.

Imagem de raio-X que mostra a nova forma de sílica (Imagem: Sally June Tracy, Stefan Turneaure e Thomas Duffy)

O experimento realizado por Tracy e sua equipe demonstrou que, ao contrário do que se espera que aconteça após um choque extremamente maior do que a pressão atmosférica normal, o quartzo sofre uma transição para uma nova fase cristalina desordenada, cuja estrutura é um meio-termo entre o mineral stishovita, que tem aparência totalmente cristalina, e o vidro. Entretanto, a nova estrutura não resiste depois que a pressão intensa é aliviada.

O quartzo é um mineral formado por um átomo de sílica e dois de oxigênio, elementos que também são comuns no manto da Terra — que, por sinal, é riquíssimo em sílica. Por isso, entender como funcionam e quais são as mudanças que este mineral pode sofrer em condições de alta pressão e temperatura pode revelar detalhes sobre o passado geológico do nosso planeta.

Obtido em: https://canaltech.com.br/ciencia/estudo-pode-ter-revelado-o-que-acontece-com-a-silica-apos-impactos-espaciais-170664/

Entretanto, mesmo após longos anos de pesquisa, os cientistas ainda não haviam chegado a um consenso sobre a forma que a sílica teria depois de sofrer um grande impacto ou condições de pressão como aquelas do estudo. "Os experimentos de compressão dinâmica nos permitiram encerrar esse longo debate", concluiu Tracy. Os benefícios do estudo vão além, pois os impactos são essenciais para entendermos mais sobre os processos de formação planetária e sua evolução — o que deverá ser melhor aprofundado em outras pesquisas.

Fonte: Carnegie Institution for Science

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

SEDIMENTOS DE CORRENTE EM GEOQUÍMICA AMBIENTAL

Notas sobre uso de sedimentos de corrente na geoquímica ambiental, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho

 

[EcoDebate] Os sedimentos da corrente (ou sedimentos de fundo do rio) são derivados da erosão e transporte de detritos do solo, de rochas e outros materiais dentro da bacia hidrográfica. A análise química de uma amostra de sedimentos de rio é, portanto, representativa da geoquímica de materiais à montante do local da amostragem.

Foz do Rio do Baldo, década de 70’

Foz do Rio do Baldo, década de 70’. (fonte: Elmo Marinho)

 

Levantamento e análise de sedimentos de corrente (ou sedimentos de fundo de rios) é uma técnica geoquímica usada historicamente na exploração mineral na fase regional e, mais recentemente e de maneira crescente, na pesquisa ambiental.

Nessa técnica de pesquisa, elementos químicos são medidos a partir de sedimentos de rios, córregos ou igarapés. O sedimento depositado em leito de rios pode ser considerado como o resultado da integração dos processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem em um ambiente aquático. Esteves (1998) relata que os sedimentos de corrente podem ser divididos em duas camadas: a recente e a permanente. A camada recente corresponde a camada com maior concentração de matéria orgânica, é a camada mais superficial, a que está em contato direto com a água. E a camada permanente logo abaixo da camada recente é caracterizada pelo baixo teor de matéria orgânica e por apresentar-se em condições anaeróbias de existência.

Dessa forma, uma amostragem ao longo do perfil dos sedimentos no leito do rio pode historiar as condições geoquímicas daquele ambiente. Resultados homogêneos podem indicar um ambiente dominado por fatores unicamente geogênicos, enquanto que variações podem indicar atuações antropogênicas.

Existe, na maioria dos casos, uma relação nos resultados geoquímicos dos sedimentos com as águas de um mesmo rio. As amostras de fundo do rio, entretanto, são mais fáceis de coletar, transportar e armazenar do que amostras de água, inclusive sofrendo muito menos influência da sazonalidade anual.

Nas águas de rios, grande parte dos metais traços costumam estar associada ao material particulado. Consequentemente, os metais transportados por riachos são eventualmente depositados em leitos, várzeas como sedimentos de corrente (Kuusisto-Hjort, P. & Hjort, 2013). Os sedimentos de fundo do rio são, portanto, um consistente meio amostral para rastrear fontes de metal e, por isso, têm sido cada vez mais empregados na avaliação da contaminação de sistemas fluviais tanto nas áreas urbanas, como rurais.

Dessa forma, as amostras de sedimentos de corrente caracterizam todos os processos que ocorrem no ecossistema aquático à montante e podem contribuir na avaliação do cenário ambiental da área, bem como na delimitação e interpretação de sítios contaminados por elementos tóxicos, para imediato detalhamento e monitoramento.

Referências Bibliográficas

Esteves, F. A. 1998. Fundamentos de Limnologia. Rio de Janeiro: FINEP.

Kuusisto-Hjort, P.; Hjort, J. 2013. Land use impacts on trace metal concentrations of suburban stream sediments in the Helsinki region, Finland. Science of the Total Environment 456–457; 222–230.

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/05/2020

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