GEOQUÍMICA EM FOCO

Blog alimentado pelo Prof. Márcio Santos e dedicado a estudantes de Geologia.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

AMOSTRAGEM DE SEDIMENTOS DE CORRENTE

    1 - INTRODUÇÃO

Os sedimentos de corrente têm sido usados ​​na exploração mineral por milênios, como um dos métodos mais antigos de mineração e prospecção, avançando da extração de ouro ou diamante para abordagens geoquímicas modernas. São o meio de amostra mais comumente usados para exploração de reconhecimento em casos para os quais a mineralização e/ou alteração alvo são expostas ao intemperismo e arrastamento em sedimentos de drenagem e/ou materiais orgânicos (ROSE et al, 1979).

Eles evoluíram da extração de ouro e diamantes para métodos geoquímicos modernos e são uma opção econômica para cobrir grandes áreas em pesquisas geoquímicas, direcionando para investigações mais detalhadas. Recentes avanços em técnicas analíticas e instrumentais, além de novas pesquisas em química mineral, aumentaram a importância dos sedimentos de corrente na compreensão da geologia regional e na descoberta de novos depósitos minerais (Doherty et alii, 2023).

O princípio por trás desse método é que os sedimentos representam material erodido do solo mais alto e, portanto, a partir disso, a geologia da área de captação pode ser inferida. Ao planejar uma pesquisa através de sedimentos de corrente e interpretar os dados obtidos, é essencial considerar a geoquímica dos processos superficiais, a formação de depósitos minerais e o zoneamento geoquímico em torno desses depósitos para se obter a melhor eficácia desse método geoquímico.

    2 - CONCEITOS DE SEDIMENTO ATIVO E INATIVO DE DRENAGEM

Os sedimentos de córregos são o produto de material intemperizado e erodido acumulado dentro de uma bacia de drenagem. Os processos de intemperismo variam globalmente e o material aluvial pode resultar da ação do vento, água e/ou gelo, e movido por processos fluviais. O sedimento pode ser derivado de rocha, solo, materiais eólicos e/ou till glacial. 

O sedimento ativo de drenagem, mais comumente chamado sedimento de corrente, é aquele material não consolidado, que está sendo continuamente transportado na corrente da drenagem por saltação, tração ou suspensão, misturado na zona de maior fluxo da corrente (stream sediment). Esse material é representativo de toda a bacia a montante e inclui contribuição clástica e hidromórfica de águas, material clástico de margens de córregos, material orgânico e material precipitado da água de córregos. O Sedimento inativo de drenagem é o material transportado por tração, saltação e suspensão pela torrente das cheias e que se deposita marginalmente à corrente; o material desmoronado das margens e acumulado próximo da fonte sem transporte significativo e o material de densidade elevada, que se deposita seletivamente nos locais onde ocorrem obstáculos no leito ou onde a corrente muda de direção (LICHT, 1998).

    3 - PESQUISA DE SEDIMENTO DE CORRENTE

A pesquisa de sedimentos de corrente baseia-se no conceito de que os processos químicos e fluviais transportam metais e minerais de uma bacia de drenagem (bacia hidrográfica) para um local de acumulação mineral (uma anomalia), sendo essa área bem definida pelos limites da bacia de drenagem.

Os elementos são transportados por uma combinação de processos fluviais, físicos e químicos. O processo dominante dependerá do clima e das características de corrente da bacia de captação (i.e., do relevo topográfico).

O conteúdo do metal (ou mineral) anômalo diminui drenagem abaixo, formando um trem (trend) de dispersão. A curva de decaimento reflete a diluição de material não mineralizado. A chave para a detecção de uma fonte mineral é acompanhar o trend de dispersão e identificar corretamente o que é anormal.

    4 - MÉTODOS DE AMOSTRAGEM

As melhores práticas atuais de implementação de pesquisa de sedimentos de corrente concentram-se em quatro tipos de amostras de sedimentos: amostras de sedimentos de corrente de fração fina; amostras tipo BLEG (bulk leach extractive gold - lixiviação em massa de ouro extrativo); amostras de concentrado de minerais pesados ​​(CMP); e química mineral indicadora de grãos de sedimentos de corrente (Doherty et alii, 2023).

O programa de amostragem deve ser cuidadosamente planejado para que seja escolhida a granulometria correta do sedimento, dependendo de quais minerais o geólogo está procurando. Os locais para amostragem devem ser cuidadosamente selecionados para que não sejam afetados pela contaminação a partir de fontes industriais, agricultura, silvicultura, de estradas a montante e outras atividades humanas. Além disso, tributários de menor escala são escolhidos em vez do próprio rio principal, para que os resultados possam ser alocados com mais confiança a uma área específica que alimenta esse riacho (GSI, 2024).

        4.1 Amostras de Sedimento de Corrente de Fração Fina

A amostragem de sedimento de corrente de fração fina é muito utilizada para levantamentos geoquímicos regionais multielementares. Sua densidade depende da escala do mapeamento e do estágio do programa de exploração, bem como das variações do terreno. De acordo com Doherty et alii (2023), a densidade de amostragem pode variar de 1 amostra/10 km2 ou até 1 amostra/20 km2, na fase de reconhecimento, ou 1 amostra/1–2 km2, em levantamentos de acompanhamento. Se depósitos minerais conhecidos estiverem presentes na área, é importante amostrar a jusante destes, bem como distalmente a eles para representar o teor de fundo.

É fundamental que a amostragem seja representativa de todos os sedimentos em uma bacia do riacho e, portanto, se possível, com adição de subamostras de sedimentos dentro do riacho (canal principal, barras, redemoinhos etc.) coletadas a uma distância de 5–100 m em cada local. Recomenda-se que a amostragem seja realizada 2 a 3 meses após o período chuvoso, quando os sedimentos estão enriquecidos em colóides floculados.

De acordo com Doherty et alii (2023), as orientações gerais para selecionar bons locais de amostragem em um determinado riacho incluem o seguinte:

(1) coletar amostras bem abaixo de uma junção de dois tributários de corrente, em vez de imediatamente abaixo, para garantir que os sedimentos de ambas as fontes tenham sido misturados;

(2) coletar amostras a montante de pontes, bueiros ou outras perturbações humanas para evitar possível contaminação;

(3) evitar áreas com fontes óbvias de contaminação, como barris de combustível antigos ou áreas de descarte de resíduos;

(4) em situações em que pequenas correntes entram em tributários principais maiores, coletar amostras a montante o suficiente no tributário menor para evitar a planície de inundação do riacho maior. Amostras de sedimentos de corrente devem ser coletadas através do canal de drenagem ativo para serem o mais representativas possível;

É sempre recomendável coletar amostras em duplicata, seja para checagem laboratorial, uso de diferentes processos analíticos ou reanálises.

O tamanho da amostra necessário variará dependendo do material disponível, se a peneiração de campo foi concluída ou não para remover material grosso e da quantidade de material necessária para análises.

Doherty et alii (2023) recomenda uma peneira de campo de <2 mm para amostra de 0,5 kg, exceto para programas projetados especificamente para exploração de ouro, que exigem maiores volumes de material.

Uma peneira de campo de aço inoxidável de 2 mm é útil para eliminar material de seixos maiores e orgânicos, e essa peneira deve ser limpa no campo entre as amostras. O material coletado no campo pode então ser peneirado em frações de tamanho mais fino no laboratório.

Em geral, frações finas ou ultrafinas (silte ou <69 μm; argila ou <2 μm, respectivamente) são úteis porque tendem a produzir resultados mais reprodutíveis e anomalias de maior contraste do que frações mais grossas e são menos afetadas pelo efeito pepita de ouro.

Se os riachos tiverem água, a peneiração de malha mais fina pode ser feita efetivamente no campo, pois elimina a necessidade de transportar grandes amostras e posterior peneiramento em laboratório; porém, se os riachos estiverem secos ou úmidos, a peneiração mais fina no campo pode resultar em contaminação de um local para o outro.

Caso específico do ouro

Segundo Doherty et alii (2023), a prospecção de ouro exige metodologia específica, quando são usados sedimentos de corrente​, devido às características únicas desse metal: ocorre em menor concentração três ordens de magnitude do que outros elementos alvo de exploração comuns; comumente ocorre como pepitas quase puras e essas pepitas têm densidade cerca de cinco vezes maior que as de outros minerais encontrados em sedimentos de corrente. Essas características combinadas tornam a dispersão, o arrastamento, a amostragem representativa e a análise diferentes de outros alvos de sedimentos de corrente. Em consequência, os métodos padrão, que eram adequados para exploração de sedimentos de corrente de metais básicos, são inadequados para sedimentos de corrente na exploração de ouro.

A metodologia mais atualizada para pesquisa de ouro através de sedimentos de corrente aplica os seguintes procedimentos:

(1) aumentar o teor de ouro, coletando amostras em armadilhas de minerais pesados ​​e outros ambientes deposicionais, (2) diminuir o tamanho do grão, focando em tamanhos de grãos cada vez menores para a alíquota analítica, ou (3) aumentar o peso da amostra analítica para atingir a precisão necessária para o uso eficaz de sedimentos de corrente, utilizando técnicas laboratoriais de lixiviação de cianeto (CN).

Uma desvantagem das técnicas de lixiviação CN é que elas são ajustadas para determinação de ouro, mas não permitem a determinação de outros elementos traço. Por esse motivo, é aconselhável que os elementos traço sejam determinados em uma segunda amostra coletada no mesmo local (duplilcata), ou em uma segunda alíquota da amostra original (Doherty et alii, 2023).

        4.2 - BLEG

O método BLEG (bulk leach extractive gold) foi desenvolvido na década de 1980 para reduzir o efeito do ouro em pepitas. Hoje, ele pode ser usado em exploração para determinações de ouro traço, fornecendo resultados robustos e consistentes. O grande tamanho de amostra utilizado pode ajudar a diminuir a influência do ouro grosso, tornando os resultados mais reproduzíveis. Amostras de áreas com ouro grosso podem usar BLEG pareado com análises AAS ou ICP-MS para relatar resultados reproduzíveis de baixo nível.

Embora o termo BLEG seja de uso geral, a técnica evoluiu com várias versões, incluindo diferentes métodos de amostragem, tamanho de frações, bem como tratamentos pré e pós-lixiviação e métodos de determinação analítica. Como resultado, não há dois métodos 'BLEG' iguais. A maioria dos laboratórios comerciais oferece uma opção de 'BLEG', mas os procedimentos não são bem padronizados.

É necessário coletar material de tamanho fino – silte a argila – onde os flocos finos de ouro estariam depositados. Dada a sua forma, esses flocos finos de ouro não agem hidrodinamicamente como minerais pesados ​​e não se depositam nos mesmos locais em um leito de riacho. Sempre que possível, devem ser feitas tentativas de amostrar locais de inundações repentinas (onde o material mais fino se concentra) – depósitos de margens.

O BLEG requer a coleta de amostras grandes, geralmente maiores que 2 kg. De acordo com Doherty et alii (2023), o procedimento atual para as pesquisas BLEG personalizadas consiste na coleta de uma amostra de fração mais fina de 1–10 kg no campo, processamento em um laboratório interno focado na atualização da fração de amostra de argila e silte fino, seguido por análise de lixiviação de CN para determinação de Au–Ag/ICP-MS e análise de múltiplos elementos com ataque de água régia/ICP-MS.

        4.3 - Concentrados de minerais pesados - CMP

Os minerais detríticos pesados são aqueles com densidade maior que o quartzo e o feldspato (2,65 e 2,76, respectivamente).  A prospecção por CMP utiliza as propriedades gravimétricas dos minerais resistentes ao intemperismo, visando separar frações que contenham assembleias mineralógicas características de determinados ambientes metalogenéticos. O uso de CMP é um método rápido, barato e eficaz de dar início a um programa de exploração mineral em uma área com cobertura suficiente de riachos, permitindo o foco na presença e química de minerais indicadores.

No passado, utilizavam-se minerais que podem ser facilmente identificados visualmente, como ouro, pedras preciosas e minerais de estanho e tungstênio. A partir do início da década de 1970, minerais indicadores de kimberlito têm sido usados ​​para exploração de diamantes. Nos anos mais recentes, têm sido realilzados estudos focados em frações de minerais pesados ​​de till ou sedimento para determinar minerais indicadores específicos e os resultados mostram que há minerais diagnósticos indicativos de depósitos de cobre porfírico, depósitos magmáticos de níquel-cobre, depósitos metamórficos de sulfeto maciço, depósitos do tipo Broken Hill e uma variedade de outros tipos de depósitos (McClenaghan et al. 2020). Técnicas automatizadas de microscópio eletrônico de varredura (Scanning Electron Microscope - SEM) substituíram a identificação visual de minerais, e agora há opções para analisar a amostra de CMP total ou utilizar técnicas microanalíticas, como microssonda eletrônica (EMP) e ablação a laser ICP-MS (LA-ICP-MS). A química e a zonação de minerais específicos em uma amostra de CMP podem adicionar resultados significativos às ferramentas de exploração.

A amostra de CMP deve ser coletada especificamente em locais de corrente que são mais propensos a conter minerais com densidades maiores do que as de quartzo e feldspato, os ambientes deposicionais onde a velocidade da água diminui: barras de pontal, barras de cascalho, atrás e sob grandes pedras ou entre e sob pedras do leito. Em corrente sem pedras de leito ou cascalho grosso, o material pode ser coletado de barras ou de raízes de plantas que crescem ao longo da drenagem. Qualquer área com estrias minerais pesadas de areia preta (magnetita) ou granada provavelmente contém outros minerais pesados.

As melhores práticas recomendam peneirar o sedimento no local da amostragem para fração de tamanho <2 mm (malha −10). A amostra total de CMP pode então ser enviada para processamento laboratorial detalhado ou pode ser refinada ainda mais pelo bateiamento no campo. No entanto, a preparação dos concentrados pode ser feita no campo com a utilização de uma bateia, a partir de uma amostra de cerca de 10 a 20 litros.

O bateiamento vai um passo além da coleta e peneiramento do sedimento de corrente, pois a camada final de sedimento na bateia é parcialmente submersa na água e sacudida em um ângulo baixo para separar o material mais leve, que flutua, do material mais denso, que permanece. Devido à alta densidade dos minerais pesados, essa técnica simples tem sido utilizada globalmente por milênios e é a principal ferramenta de expansão da atividade garimpeira no Brasil. No campo, o bateiamento pode remover até dois terços do material e pode ser repetido até que os primeiros sinais de minerais pesados, como areia preta ou granadas, sejam visíveis na bateia.

Pesquisas que buscam apenas alguns grãos minerais de diagnóstico, como pesquisas de kimberlito, não são processadas no campo e a amostra total de 10–20 kg é enviada para um laboratório especializado em preparação de CMP..

        4.4 - Química Mineral Indicadora de Grãos de Sedimentos de Corrente

A aplicação dos concentrados de minerais pesados depende do objetivo da pesquisa. Se a meta for identificar minerais valiosos como ouro, diamante, platina ou cassiterita, o estudo pode se limitar à observação dos minerais presentes, suas proporções e a análise da forma dos grãos. Porém, para investigar a composição química dos halos de dispersão clástica, é essencial realizar uma análise química multielementar dos concentrados, juntamente com uma descrição mineralógica. Isso permitirá estabelecer uma conexão entre a composição química e a mineralogia presente. (LICHT, 1998).

No passado, a identificação mineral em amostras de CMP era realizada opticamente com uma lupa de mão ou microscópio binocular, mas nas últimas décadas essa identificação passou a ser feita em laboratório com o uso de um microscópio eletrônico de varredura (Scanning Electron Microscope - SEM). Mais recentemente, programas de softwares comerciais foram desenvolvidos para fornecer identificação automatizada de dezenas de milhares de grãos.

A mineralogia automatizada oferece uma grande vantagem em termos de qualidade e quantidade de dados obtidos em comparação com a determinação visual, pois minerais indicadores raros e de baixa abundância podem ser perdidos na observação visual tradicional ou podem aparecer como inclusões em outros minerais resistentes. Atualmente, a pesquisa em química mineral indicadora é um dos principais tópicos de estudo na comunidade de geologia econômica. Os minerais mais comumente utilizados nesses estudos, além daqueles de interesse econômico, são o zircão, a granada, a apatita e o espinélio.

REFERÊNCIAS

Rose, A.W., Hawkes, H.E. and Webb, J.S. 1979. Geochemistry in Mineral Exploration. 2nd ed. Academic Press.

DOHERTY,  Mary E.;  ARNDT, Kiel;  CHANG, Zhaoshan;  KELLEY, Karen e LAVIN, Owen. Stream sediment geochemistry in mineral exploration: a review of fine-fraction, clay-fraction, bulk leach gold, heavy mineral concentrate and indicator mineral chemistry. Geochemistry: Exploration, Environment, Analysis, 24 Nov 2023, https://doi.org/10.1144/geochem2022-039.

GSI - Geological Survey Ireland. Stream Sediments. Disponível em: https://www.gsi.ie/en-ie/programmes-and-projects/minerals/activities/mineral-exploration/Pages/Stream-Sediments.aspx. Acessado em: 24/8/2024.

LICHT, Ottavio Augusto Boni. Prospecção geoquímica: princípios, técnicas e métodos. CPRM, Rio de Janeiro, 1998.

McClenaghan, M.B., Beckett-Brown, C.E., McCurdy, M.W. and Casselman, S.G. 2022. Stream sediment indicator mineral signatures of the Casino porphyry Cu-Au-Mo deposit, Yukon, Canada. Economic Geology, 118, 411–431, https://doi.org/10.5382/econgeo.4970.

AUTORIA

Márcio José dos Santos. Geólogo, Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental (PUC-Brasília), Mestre em Administração (Fac. Pedro Leopoldo), professor. Blogs dedicados à estudantes de Geologia: 

https://geomartelo.blogspot.com/ (Geologia de Campo).

https://professormarciosantosgeo.blogspot.com/ (Geoquímica); 

https://professormarciosantos3.blogspot.com/ (Climatologia); 

https://professormarciosantos4.blogspot.com/ (Geologia Estrutural); 

https://professormarciosantos5.blogspot.com/ (Sedimentologia).

domingo, 29 de novembro de 2020

SOLO - GEOQUÍMICA E MEIO AMBIENTE

 

Solo – Geoquímica e Meio Ambiente

Artigo de Carlos A. de Medeiros Filho

solo contaminado

https://www.mediotejo.net/empresas-ambientais-querem-que-governo-avance-com-lei-de-solos-contaminados/

[EcoDebate]

O perfil de solo pode ter suas características geoquímicas influenciadas por atuações antrópicas e, consequentemente, pode se constituir em importante marcador de condições ambientais.

Diversos metais pesados e contaminantes orgânicos podem ser incorporados ao solo por meio de fertilizantes e pesticidas; emissões de veículos a motor, atividades industriais, lixos e águas servidas das fossas e sumidouros.

Ban Ki-moon, diplomata e político sul-coreano, foi o oitavo secretário-geral da Organização das Nações Unidas, de 2007 até 2017. No dia o Dia Mundial do Solo de 2014, comemorado em 5 de dezembro, Ban Ki-moon transmitiu uma mensagem que reporta aspectos da importância dos solos para a humanidade.

Ele afirma que: sem solos saudáveis, a vida na Terra seria insustentável. Os solos são a base da agricultura. Eles fornecem aspectos vitais para o ecossistema e a base para alimentos, rações, combustíveis, fibras e produtos medicinais importantes para o bem-estar humano. O solo também é o maior armazenador de carbono orgânico, que é essencial para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Em uma época de escassez de água, os solos são fundamentais para a sua adequada estocagem e distribuição. A degradação do solo, no entanto, é um problema que cresce rapidamente em todas as partes do mundo. Cerca de 33 por cento dos solos globais já são degradados através da urbanização. A erosão do solo, esgotamento de nutrientes, salinidade, acidificação e contaminação são ameaças adicionais. Por muito tempo, o mundo aceitou o solo como algo garantido. Mas o solo é um recurso natural que não é facilmente renovado. Gestão sustentável do solo deve ser uma prioridade para todos. Mais adiante, o diplomata sul-coreano conclui: Uma vida saudável não é possível sem solos saudáveis (1).

A avaliação e o monitoramento da qualidade do solo representam uma questão fundamental para a política e gestão dos recursos ambientais. A qualidade do solo, entre muitas outras funções, é altamente relevante para a capacidade de fornecer serviços ecossistêmicos essenciais para os seres humanos, como a conservação da produtividade vegetal e animal e o fornecimento de alimentos e rações saudáveis. Este é um tópico importante para os formuladores de políticas que têm a responsabilidade de preservar a qualidade do solo e implementar medidas para remediar os solos poluídos. Elementos potencialmente tóxicos (EPT), sejam de origem geogênica ou antropogênica, podem constituir um risco à saúde humana e aos ecossistemas (2).

Estudos geoquímicos nas regiões urbanas e rurais podem fornecer conclusões gerais para a conservação da natureza e proteção do solo e estimativas de impacto ambiental. Somente considerando as características de toda uma região, com a multiplicidade de influências sobrepostas de várias fontes, é possível derivar métodos para estimar os perigos da complexa interação de fatores e determinar a sensibilidade dos sítios aos diferentes usos da terra (3).

Equilibrar o delicado ciclo geoquímico do solo no ambiente rural e urbano é um exercício desafiador. A geoquímica, como disciplina científica, tem proporcionado um conhecimento valioso sobre a mobilização, dispersão, deposição e distribuição de metais potencialmente tóxicos. O monitoramento sistemático e temporal da geoquímica dos solos, especialmente das concentrações de EPTs, permite construir um cenário consistente sobre os comportamentos e mudanças na qualidade do solo devido às atividades humanas, incluindo alterações no uso do solo e mudanças climáticas.

Referências Bibliográficas

1- Journal of Geochemical Exploration 154 (2015) 1 – 5.

2- Beonea, G.M.; Carinia, F.; Guidottia, L.; Rossib, R.; Gattia, M.; Fontanellaa, M.C.; Cenci, R.M. 2018. Potentially toxic elements in agricultural soils from the Lombardia region of northern Italy. Journal of Geochemical Exploration 190, 436–452.

3- Birke, M and Rauch, U.: 1994, Geochemical investigations in the urban areas of Berlin, Mineral Magazine 58A, 95–96, London (Mineralogical Society).

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/11/2020

domingo, 30 de agosto de 2020

CONTAMINAÇÃO DAS ÁGUAS PELA MINERAÇÃO

 Notas sobre Contaminação de Águas por Trabalhos Mineiros. Exemplo de Diagnóstico por Zonas de Amostragem

Artigo de Carlos A. de Medeiros Filho

[EcoDebate] As operações de mineração, de tratamento e concentração de minérios e descarte de rejeitos fornecem fontes óbvias de contaminação no ambiente da superfície, combinada às águas residuais das minas e dos moinhos (Adriano, 1986). Os rejeitos de minas são fontes de elementos potencialmente tóxicos, maiores e traços, para o ambiente da superfície da Terra.

A oxidação de sulfetos pode introduzir altas concentrações de metais, ácido sulfúrico (íons hidrogênio) e íons sulfato na água das descargas de minas (Fuge et al., 1993). A geração de drenagem ácida e a liberação de água contendo altas concentrações de metais dissolvidos a partir de resíduos de minas são um problema ambiental de escala internacional (Blowes et al., 2003), podendo ser responsáveis pela poluição e degradação das águas subterrâneas, córregos, rios e bacias.

Os metais pesados e os elementos traços são uma grande preocupação devido à sua natureza persistente e bioacumulativa e podem representar um risco potencial à saúde dos residentes nas proximidades das áreas de mineração (Myung, 2001).

Abraham & Susan (2017) estudaram a contaminação de água por elementos maiores e traços da Mina de Cu de Kilembe (W-Uganda), procurando avaliar as fontes e concentrações desses elementos na bacia hidrográfica de Kilembe, que no seu percurso cruza a zona de influência do depósito e dos materiais das antigas operações da mina. Amostragem de água dos rios foram desenvolvidas entre junho e setembro de 2014, com análise por ICP-MS.

A mina Kilembe está localizada a 10 km a oeste da cidade de Kasese, nas encostas da montanha Rwenzori, no oeste de Uganda. A mineração e o processamento de cobre em Kilembe, de 1956 a 1982, deixaram mais de 15 Mt de pirita cuprífera e cobaltífera despejada ao longo do vale do rio (Abraham & Susan, 2017)

A mina Kilembe está localizada a 10 km a oeste da cidade de Kasese, nas encostas da montanha Rwenzori, no oeste de Uganda

Fonte: Abraham & Susan (2017)

A área estudada abrangeu o vale de Kilembe, dividida pelo rio Nyamwamba, que se origina na cordilheira de Rwenzori. Na figura 1, a região amostrada pode ser dividida em três zonas: Zona 1 no curso superior do Rio Nyamwamba antes de atingir a mina de Kilembe, Zona 2 abrange a mina de Kilembe e os locais de rejeitos e Zona 3 a jusante da mina e dos depósitos de rejeitos.

Resultados geoquímicos da pesquisa de Abraham & Susan (2017) foram tratados a partir dos teores médios de águas de rios em quatro setores da bacia hidrográfica. Dois setores (Montante Mina e Tributários) correspondem a amostragens em tributários do Rio Nyamwamba ou a montante da antiga mina. Os resultados dessas duas zonas, portanto, não estariam afetadas pelos trabalhos mineiros. Os outros dois setores (Mina Kilembe e Jusante Mina) correspondem a amostras ao longo ou a jusante da mina e, consequentemente, podendo ter sido contaminadas pelos trabalhos e rejeitos mineiros.

A figura 2 indica, claramente, aumentos dos teores médios de Co, Cu, Ni e Zn nos setores “Mina Kilembe” e “Jusante Mina”.

Figura 2

A figura 2 indica, claramente, aumentos dos teores médios de Co, Cu, Ni e Zn nos setores “Mina Kilembe” e “Jusante Mina”. Esses comportamentos assinalam, portanto, contaminações desses metais tóxicos nas águas, causados principalmente por: (i) metais pesados provenientes de águas anômalas lixiviadas da mina (ii) oxidação e liberação de metais pesados e elementos traços derivados de pilhas de rejeitos. Abraham & Susan (2017) relatam que Co apresentaram os teores acima dos limites de água potável de Wisconsin (EUA) de 40 mg/L em 53% das amostras do rio Nyamwamba.

A figura 3 apresenta os teores médios de As, Pb, Al e Fe. Para arsênio, observa-se um aumento no setor de influência da mina (“Mina Kilembe”)

Figura 3

A figura 3 apresenta os teores médios de As, Pb, Al e Fe. Para arsênio, observa-se um aumento no setor de influência da mina (“Mina Kilembe”), indicando uma anomalia ou contaminação localizada e não extensiva. Por outro lado, as distribuições dos teores médios de Pb, Al e Fe não mostram uma relação direta de aumento nos setores influenciados pelos trabalhos mineiros, sendo que alumínio apresenta média mais alta à montante da mina. As mineralizações de Cu-Co de Kilembe não estão associadas ou enriquecidos com Pb, Al e Fe e, consequentemente, esses elementos mostram um comportamento geoquímico similar ao background regional.

Essas notas, em síntese, procuram discutir a importância do estudo geoquímico multielementar no entorno de sítios mineiros ativos ou abandonados, por ser eles fontes óbvias de contaminação de metais tóxicos no ambiente da superfície. Busca, também, dar um exemplo da positiva aplicação do diagnóstico ambiental a partir de um método de amostragem de distintas zonas geoquímicas, no sítio mineiro e seu entorno.

Referências Bibliográficas

Abraham, M.R.; Susan,T.B. 2017. Water contamination with heavy metals and trace elements from Kilembe copper mine and tailing sites in Western Uganda; implications for domestic water quality / Chemosphere 169 (2017) 281-287

Adriano, D.C., 1986. Trace Elements in the Terrestrial Environment. Springer-Verlag, New York.

Blowes, D.W.; Ptacek, C.J.; Jambor, J.L.; Weisener, C.G. 2003. The Geochemistry of Acid Mine. Treatise on Geochemistry. Elsevier Ltd. Pp. 149 – 204.

Fuge, R.; Pearce, F.M.; Pearkins, W.T. 1993. Geochemistry of Cd in the secondary environment near abandoned metalliferous mines. Wales. Appl. Geochem. Suppl. 2, 29-35

Myung, C.J., 2001. Heavy metal contamination of soils and waters in and around the Imcheon Au-Ag mine, Korea. Appl. Geochem. 16, 1369 – 1375.

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/08/2020

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sexta-feira, 28 de agosto de 2020

EFEITOS DE IMPACTO NA SÍLICA

 

Estudo pode ter revelado o que acontece com a sílica após impactos espaciais

Por Danielle Cassita | 27 de Agosto de 2020 às 17h18


Pesquisadores liderados por Sally June Tracy, da Carnegie Institution, desenvolveram um estudo para entender, afinal, que tipo de efeito os minerais terrestres podem sofrer após o impacto de um objeto espacial, além do que isso pode nos ensinar sobre os minerais que existem nas condições extremas do interior do nosso planeta. Os resultados foram publicados no periódico Science Advances.

A pesquisa foi feita junto de pesquisadores da Universidade Estadual de Washington e Princeton, que utilizaram uma pistola de gás para disparos de projéteis em altíssimas velocidades em amostras de quartzo, que contém sílica. Depois, o time utilizou instrumentos especiais de raios-X para analisar a estrutura cristalina do material que se forma a menos de um milionésimo de segundo depois do impacto. Assim, eles recriaram um cenário próximo do que aconteceria durante o impacto de um asteroide.

Imagem de raio-X que mostra a nova forma de sílica (Imagem: Sally June Tracy, Stefan Turneaure e Thomas Duffy)

O experimento realizado por Tracy e sua equipe demonstrou que, ao contrário do que se espera que aconteça após um choque extremamente maior do que a pressão atmosférica normal, o quartzo sofre uma transição para uma nova fase cristalina desordenada, cuja estrutura é um meio-termo entre o mineral stishovita, que tem aparência totalmente cristalina, e o vidro. Entretanto, a nova estrutura não resiste depois que a pressão intensa é aliviada.

O quartzo é um mineral formado por um átomo de sílica e dois de oxigênio, elementos que também são comuns no manto da Terra — que, por sinal, é riquíssimo em sílica. Por isso, entender como funcionam e quais são as mudanças que este mineral pode sofrer em condições de alta pressão e temperatura pode revelar detalhes sobre o passado geológico do nosso planeta.

Obtido em: https://canaltech.com.br/ciencia/estudo-pode-ter-revelado-o-que-acontece-com-a-silica-apos-impactos-espaciais-170664/

Entretanto, mesmo após longos anos de pesquisa, os cientistas ainda não haviam chegado a um consenso sobre a forma que a sílica teria depois de sofrer um grande impacto ou condições de pressão como aquelas do estudo. "Os experimentos de compressão dinâmica nos permitiram encerrar esse longo debate", concluiu Tracy. Os benefícios do estudo vão além, pois os impactos são essenciais para entendermos mais sobre os processos de formação planetária e sua evolução — o que deverá ser melhor aprofundado em outras pesquisas.

Fonte: Carnegie Institution for Science

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

SEDIMENTOS DE CORRENTE EM GEOQUÍMICA AMBIENTAL

Notas sobre uso de sedimentos de corrente na geoquímica ambiental, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho

 

[EcoDebate] Os sedimentos da corrente (ou sedimentos de fundo do rio) são derivados da erosão e transporte de detritos do solo, de rochas e outros materiais dentro da bacia hidrográfica. A análise química de uma amostra de sedimentos de rio é, portanto, representativa da geoquímica de materiais à montante do local da amostragem.

Foz do Rio do Baldo, década de 70’

Foz do Rio do Baldo, década de 70’. (fonte: Elmo Marinho)

 

Levantamento e análise de sedimentos de corrente (ou sedimentos de fundo de rios) é uma técnica geoquímica usada historicamente na exploração mineral na fase regional e, mais recentemente e de maneira crescente, na pesquisa ambiental.

Nessa técnica de pesquisa, elementos químicos são medidos a partir de sedimentos de rios, córregos ou igarapés. O sedimento depositado em leito de rios pode ser considerado como o resultado da integração dos processos físicos, químicos e biológicos que ocorrem em um ambiente aquático. Esteves (1998) relata que os sedimentos de corrente podem ser divididos em duas camadas: a recente e a permanente. A camada recente corresponde a camada com maior concentração de matéria orgânica, é a camada mais superficial, a que está em contato direto com a água. E a camada permanente logo abaixo da camada recente é caracterizada pelo baixo teor de matéria orgânica e por apresentar-se em condições anaeróbias de existência.

Dessa forma, uma amostragem ao longo do perfil dos sedimentos no leito do rio pode historiar as condições geoquímicas daquele ambiente. Resultados homogêneos podem indicar um ambiente dominado por fatores unicamente geogênicos, enquanto que variações podem indicar atuações antropogênicas.

Existe, na maioria dos casos, uma relação nos resultados geoquímicos dos sedimentos com as águas de um mesmo rio. As amostras de fundo do rio, entretanto, são mais fáceis de coletar, transportar e armazenar do que amostras de água, inclusive sofrendo muito menos influência da sazonalidade anual.

Nas águas de rios, grande parte dos metais traços costumam estar associada ao material particulado. Consequentemente, os metais transportados por riachos são eventualmente depositados em leitos, várzeas como sedimentos de corrente (Kuusisto-Hjort, P. & Hjort, 2013). Os sedimentos de fundo do rio são, portanto, um consistente meio amostral para rastrear fontes de metal e, por isso, têm sido cada vez mais empregados na avaliação da contaminação de sistemas fluviais tanto nas áreas urbanas, como rurais.

Dessa forma, as amostras de sedimentos de corrente caracterizam todos os processos que ocorrem no ecossistema aquático à montante e podem contribuir na avaliação do cenário ambiental da área, bem como na delimitação e interpretação de sítios contaminados por elementos tóxicos, para imediato detalhamento e monitoramento.

Referências Bibliográficas

Esteves, F. A. 1998. Fundamentos de Limnologia. Rio de Janeiro: FINEP.

Kuusisto-Hjort, P.; Hjort, J. 2013. Land use impacts on trace metal concentrations of suburban stream sediments in the Helsinki region, Finland. Science of the Total Environment 456–457; 222–230.

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/05/2020

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