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quarta-feira, 20 de março de 2019

LIGAÇÕES QUÍMICAS E REGRAS DE GOLDSCHMIDT

Ligações químicas

Os átomos e íons se combinam para formar a matéria nos estados sólido, líquido ou gasoso. A importância da ocupação das camadas mais externas de elétrons pode ser exemplificada comparando-se a interação entre dois átomos de hélio, em que dois elétrons ocupam o orbital 1s, com a interação entre dois átomos de hidrogénio, cada um com apenas um elétron. Quando os dois átomos de hélio se aproximam e suas nuvens eletrônicas de interpenetram, os elétrons de um átomo não podem se acomodar no orbital do outro átomo, o que infringiria o princípio da exclusão de Pauli. Assim sendo, eles saltam para o orbital 2s, o que representa um custo energético e dificulta a formação dessas ligações. Por outro lado, os dois átomos de hidrogénio podem compartilhar os elétrons is em um mesmo orbital. A configuração eletrônica resultante é mais vantajosa que a dos átomos de hidrogênio isolados e, portanto, a ligação química é favorecida. Esta é a essência da teoria da valência de ligação de Pauling, que, entretanto, não se consolidou por não explicar as propriedades espectroscópicas das substâncias. Em contraste, a teoria do campo cristalino considera os cátions como totalmente ionizados, tais como Na+ e Ca2+, os quais são hospedados em sítios definidos por "ligantes" de carga negativa, como ocorre na estrutura dos silicatos: a ligação é considerada como sendo completamente eletrostática. Apesar de a teoria da valência explicar muitas das propriedades dos elementos de transição, atualmente ela é considerada obsoleta.

O caráter dual da maioria das ligações químicas pode ser explicado pelo conceito de orbitais moleculares: quando átomos e íons se aproximam, seus orbitais eletrônicos individuais se fundem em orbitais coletivos, os quais, entretanto, são de difícil descrição matemática. O tipo de ligação química é determinado pela probabilidade da presença do elétron de um núcleo na proximidade de um elétron do outro núcleo a ele ligado, que é traduzida pela teoria dos orbitais moleculares. Se um elétron for permanentemente transferido, a ligação é considerada iónica: um átomo de sódio na presença de um átomo de cloro irá doar seu elétron isolado no orbital 3s, para que sua camada de valência fique completa. Os íons formados desse modo, Na+ e CI-, são especialmente estáveis; suas camadas mais externas de elétrons são aproximadamente esféricas e os íons se comportam como esferas eletricamente carregadas que se atraem mutuamente em função de seus campos eletrostáticos, formando compostos iônicos, como no caso do sal de cozinha, NaCI. Por outro lado, quando o número de elétrons que podem ser transferidos não é suficiente para completar as camadas de valência dos átomos em uma ligação, a ligação é denominada covalente. Dois átomos de hidrogênio compartilham seus elétrons 1s formando orbitais híbridos de forma complexa, possibilitando que ambos os átomos tenham camada de valência completa.

O texto acima foi extraído de: ALBARÈDE, F. Geoquímica: uma introdução. São Paulo : Oficina de Textos, 2011.


Classificação geoquímica dos elementos

Para a formação da Terra aceita-se o modelo de sua acreção, a partir de corpos menores de composição semelhante à de meteoritos condríticos. Precisamos supor que, na fase inicial, separaram-se o núcleo e o manto terrestre e, em seguida, no estado fundido, a Terra se solidificou e se diferenciou, formando assim sua crosta Na realidade, o processo de diferenciação é mais complexo para separação da parte silicática do manto e da crosta e a parte metálica do núcleo, pois nosso planeta é um corpo dinâmico, e observamos, ainda hoje, os processos de diferenciação que se manifestam na forma de vulcanismo, ao contrário da Lua e do planeta Marte que se diferenciaram logo cedo em sua formação e registraram isso nas idades de suas rochas mais antigas (certos meteoritos são, possivelmente, oriundos de Marte, os SNC).

Comparando a Terra com os meteoritos, Goldschmidt supôs a separação das fases metálica, sulfetada e silicática na condensação e na diferenciação da Terra a partir de um estado de fusão. Baseado nessa observação, ele classifica os elementos, que se distribuem nas referidas fases, obedecendo a suas afinidades para com elas. Em seus estudos, ele analisou as fases de liga Fe-NI, a troilita (FeS) e os silicatos dos meteoritos. Como seria difícil testar essa hipótese, ele estudou a separação de elementos em processos líquido-líquido na extração de cobre, a partir da fusão de ardósia de Mansfeld, Alemanha. A extração de cobre resulta em uma escória silicatada, uma fase metálica e uma fase sulfetada rica em Fe. As medidas de concentração dos elementos nessas fases concordaram razoavelmente com as análises de meteoritos.

A classificação geoquímica dos elementos é baseada em suas afinidades químicas para com as fases silicática, sulfetada e metálica, e é, basicamente, consequência da configuração eletrõnica do elemento e, consequentemente, de sua posição na tabela periódica. São agrupados em siderófilos, calcófilos, litófilos e atmófilos. Essa classificação é genial, e é notável que ainda sejam usados esses termos, introduzidos no início do século XX, por Goldschmidt. Os conceitos e as linhas de pesquisas, introduzidas ou simplesmente contempladas por ele, formam a base da geoquímica moderna. Assim, podemos perceber nas palavras dele que "... as tarefas da geoquímica são estabelecer em que concentrações os elementos ocorrem, e quais são os processos que determinam seu enriquecimento local" Baseando-se nas afinidades, temos os seguintes agrupamentos:


Obs.:
calcófilos e litófilos na crosta - " - calcófilo na crosta
- # - litófilo na crosta

( ) - pertencem mais que um grupo, ou afinidade secundária

Na Tabela Periódica, assim se distribuem os elementos de acordo com a classificação de Goldschmidt:




As regras de Goldschmidt

Elementos que constituem as rochas e os minerais, principais formadores de rochas e sua composição como um todo, são designados elementos maiores Elementos de menor importância e de concentração menor que 0,1% (1.000 ppm) geralmente não formam minerais independentes mas são incorporados na solução sólida dos minerais, em fundidos ou em fases fluídas. Esses elementos-traço ocorrem, intersticialmente, como fases intergranulares ou como impurezas no retículo cristalino de fases principais. Seu comportamento é frequentemente diferente e sua distribuição (partição) entre as fases, por exemplo, fase fundida e mineral coexistente, pode mudar sua concentração em varias ordens de grandeza. Estas e outras questões sobre a distribuição dos elementos foram contempladas, pela primeira vez, por Goldschmidt. Muitos dos conceitos geoquímicos atuais derivam das conferências e dos trabalhos publicados por Goldschmidt na década de 1930, como, por exemplo sua conferência para o "Chemical Society" de Londres sobre os "Princípios da distribuição dos elementos químicos em rochas e minerais". Ele chamou a atenção para a ocorrência de elementos-traço (menos que 1.000 ppm) por substituição em retículos cristalinos de elementos maiores ou principais.

Esses princípios, formalizados como regras, tiveram um profundo efeito sobre a maneira de pensar em relação à petrologia e à geoquímica, e seus conceitos como litófilo e calcófilo, bem como as regras gerais para o comportamento dos elementos, que ainda são usadas. Ele sugeriu também que análises quantitativas da distribuição de elementos entre rochas e minerais, ou mesmo entre minerais, poderão formar uma base para classificar um grupo de rochas na mesma suíte magmática. Desde suas formulações, as regras têm sido confirmadas em sua validade geral para ligações essencialmente iônicas por meio de investigações realizadas por diversos pesquisadores. As regras sofreram pequenas modificações, mas sem perder sua importância para substituição de elementos.

As regras gerais são as seguintes:

1ª Se dois bons têm o mesmo tamanho (raio) e a mesma carga, eles entrarão no retículo cristalino com igual facilidade.

2ª Se dois bons têm raios similares e a mesma carga, o íon menor entrará mais facilmente no retículo que o íon maior. Ê o que acontece, por exemplo, nos minerais ferromagnesianos em relação ao Mg': (0,66 Ă) e ao Fe': (0,74 Ă).

3ª Se dois íons têm raios similares e cargas diferentes, o íon com a carga maior entrará mais prontamente no retículo. Exemplo: Ca': (0,99 Ă) e Na* (0,97 Ă) nos plagioclásios.

Para elementos menos importantes dentro da cristalização magmática, existem as seguintes regras:

a) Camuflagem -- quando um elemento de maior importância "camufla" um de menor importância com mesma carga e ralo simi/ar. 
Exemplo:
AI'3 (0,51 Ă) camufla o Ga'3 (0,62 Ă)
Zr'4 (0,79 Ă) camufla o Hf'4 (0,78 Ă)
Si*' (0,42 Ă) camufla o Ge« (0,53 Ă)

b) Captura - quando um elemento de maior importância "captura" um outro de menor importância com carga maior ou raio menor. 
Exemplo:
K+ (1,33 Â) captura Ba+2: (1,34 Â) e Sr+2: (1,18 Ă)

c) Admissão - quando um elemento mais importante "admite" um menos importante de menor carga e ralo similar ou de mesma carga e raio maior. Exemplo
Mg+2: (0,66 À) admite o Li' (0,68 Ă)
Ca+2: (0,99 Ă) admite o Sr': (1,18 Ă)


As regras formuladas por Goldschmidt são um guia muito útil para a distribuição dos elementos-traço, mas não são universalmente válidas, pois se baseiam no pressuposto de que as ligações entre os elementos são iônicas, enquanto não são exclusivamente iônicas, na maioria dos minerais. Ringwood mostrou que a eletronegatividade de um elemento também influencia a substituição de um elemento menor por outro de maior importância com tamanho parecido. Quando essa substituição ocorre, os elementos de menor eletronegatividade terão preferência pois formam ligações iônicas mais fortes. Portanto, o comportamento dos cátions no magma depende do raio iônico, da valência e do tipo de ligação.

O texto acima foi extraído e modificado de: CHOUDHURI, Asit. Geoquímica para graduação. Campinas : Editora da UNICAMP, 1997.


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