Blog alimentado pelo Prof. Márcio Santos e dedicado a estudantes de Geologia.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Tendências seculares na história geológica


Das tendências seculares observadas na natureza, a mais fundamental é expressa pela segunda lei da termodinâmica: a entropia do Universo sempre tenderá a aumentar, ou seja, a matéria e a energia estão degradando-se ruma a um suposto final de inércia uniforme e total.

Por meio desse fenômeno termodinâmico, podemos entender a passagem do tempo, pois, se tudo permanecesse igual, como poderíamos distinguir o presente, o passado e o futuro? Essa lei fundamenta, ainda, as teorias da evolução do Universo e explica o decréscimo secular na geração de calor pelo decaimento radioativo de materiais naturais. O aumento de complexidade da biosfera na história da Terra pode parecer, à primeira vista, uma exceção à segunda lei da termodinâmica, um paradoxo. Mas não é, porque, em termos cósmicos, a biosfera é efêmera, dependente da fotossíntese, que é sustentada pela energia irradiada pelo Sol. Quando o Sol se extinguir, daqui a quatro ou cinco bilhões de anos, toda a complexidade biológica acumulada será desfeita e a energia e a matéria associada a ela se dissiparão, finalmente, no Cosmos.

A fase cósmica de impactos meteoríticos na superfície terrestre

A Terra, como todos os outros corpos maiores do Sistema Solar, formou-se pela aglutinação de partículas de tamanhos diversos, desde poeira até asteróides. Contudo, mesmo depois de formada, a Terra continuou a sofrer uma chuva de poeira e a ser bombardeada por meteoritos e cometas dos mais variados tamanhos e composições. Entre 4,56 e 3,85 bilhões de anos atrás, a frequência de impactos era cerca cem vezes maior do que hoje em dia. Calcula-se que dezenas de crateras com diâmetros maiores que 500 km, e pelo menos 25 maiores que 1.000 km, devem ter-se formado. Depois, a taxa de impactos diminuiu, até atingir um valor mais ou menos constante, próximo ao atual, em torno de 3 bilhões de anos atrás.

Nessa época, esses impactos teriam sido tão importantes na diferenciação e na remodelagem da crosta e porção externa do manto superior como os processos normais da dinâmica terrestre. Os efeitos desses impactos foram diversos, desde devastadores até restauradores. Os maiores teriam volatizado grandes massas de crosta e manto, elevando a temperatura atmosférica globalmente, a ponto de causar a evaporação dos mares e extinguindo qualquer tipo de vida precoce que porventura existisse na época. Teriam sido, assim, verdadeiros impactos esterilizantes. No entanto, há quem considere que parte da hidrosfera ou até as primeiras formas de vida possam ter sido trazidas à Terra por cometas nesse período.

Consequentemente, é difícil encontrar vestígios de crosta terrestre dessa fase da história da Terra. Dizem alguns geólogos que os impactos teriam induzido as primeiras subducções de crosta máfica fina (microplacas). Por essas razões, o período anterior a 3,85 bilhões de anos é chamado de fase cósmica da Terra, que corresponde aproximadamente, ao Éon Hadeano.

Desde pelo menos 3,8 bilhões de anos atrás não houve qualquer impacto esterilizante à vida e nos últimos 3 bilhões de anos, o bombardeio cósmico do planeta mantém-se mais ou menos constante, com impactos maiores ocasionais.

Fluxo de calor radiogênico e a formação de crosta continental

Semelhante à taxa de impactos de meteoritos, o fluxo de calor gerado por decaimento radiativo também foi muito maior durante a fase cósmica da Terra, por causa da maior abundância dos elementos de meias-vidas curtas nas primeiras etapas da evolução geológica. O calor gerado dessa maneira há 4,5 bilhões de anos era mais de quatro vezes superior ao valor atual. Já que essa é a principal fonte de calor que movimenta as placas litosféricas, funde as rochas e promove a desvolatização do interior do planeta, responsável pela liberação de boa parte da atmosfera e hidrosfera, podemos imaginar um tenebroso mundo hadeano de intenso vulcanismo – um cenário que só se atenuou ao longo do Éon Arqueano. As evidências apontam para um regime tectônico caracterizado por placas pequenas (microplacas) e células de convecção menores, mas com taxas de reciclagem talvez cinco a dez vezes mais rápidas do que hoje.

É de se esperar que, em função da maior intensidade dos processos de diferenciação e fracionamento de crosta oceânica em crosta continental, um volume considerável de crosta continental deve ter-se formado nos primeiros 40% da história geológica da Terra, correspondentes aos éons Hadeano e Arqueno. Nesse período, os basaltos, as rochas sedimentares e as rochas graníticas tornaram-se geoquimicamente cada vez mais diferenciados, e as microplacas, ao colidirem entre si, deram lugar gradativamente a novas placas cada vez maiores. Essa etapa culminou, ao final do Arqueano, com a aglutinação de grandes massas siálicas de dimensões continentais, regidas por ciclos tectônicos mais lentos. Desde então, o ritmo de diferenciação e formação de nova crosta vem diminuindo, de modo geral, em consonância com o decréscimo na produção de energia radiogênica.

Evolução biológica

O registro fóssil do Fanerozóico difere fundamentalmente do registro do Pré-Cambriano por causa da expansão explosiva de metazoários com partes duras (conchas, carapaças, escamas etc.), começando em torno de 550 milhões de anos atrás. A análise dos fósseis e dos organismos que os deixaram antes e depois dessa data revela como o próprio modo e o ritmo da evolução se modificaram com a irradiação evolutiva dos animais. Os primeiros 7/8 do desenvolvimento da vida (durante o Pré-Cambriano) foram dominados por formas microscópicas, organismos procarióticos, de morfologia simples, hábitos de vida generalizados, reprodução assexuada e taxas evolutivas lentas. O Fanerozóico, o mais recente 1/8 dessa história, foi palco da ascensão dos organismos eucarióticos de tamanho microscópico, morfologia complexa, hábitos especializados, reprodução sexuada e taxas evolutivas rápidas.

Na história dos organismos eucarióticos houve muitos eventos de diversificação e extinção, tanto nas formas macroscópicas quanto nas microscópicas (microalgas, protistas e outros). A evolução biológica é marcada, na verdade, por uma série de saltos na complexidade da biosfera, provocados por inovações evolutivas com importantes consequências para a própria evolução do sistema Terra. Nos ecossistemas microbianos dos mares hadeanos e arqueanos, surgiram praticamente todos os processos metabólicos básicos à vida, com destaque para a fotossíntese. Após o aparecimento, há pelo menos 2,7 bilhões de anos (e provavelmente antes), da fotossíntese que forma compostos orgânicos e libera oxigênio a partir de dióxido de carbono e água, a litosfera, a atmosfera, a hidrosfera e a própria biosfera sofreram profundas transformações.

No Arqueano, o oxigênio em excesso reagia quase imediatamente com os compostos químicos reduzidos ao seu alcance, em especial gases vulcânicos, minerais e compostos químicos dissolvidos na hidrosfera. Portanto, o oxigênio não se acumulava, pelo menos inicialmente, na atmosfera primitiva. Entre 3 e 2 bilhões de anos atrás, contudo, esse processo resultou finalmente na oxidação da superfície da Terra, do ar e dos compostos quimicamente reduzidos na água (principalmente o ferro ferroso nos mares), levando a deposição de dezenas de bilhões de toneladas de minério de ferro, sob a forma de formações ferríferas bandadas.

Depois da oxidação da hidrosfera e da superfície terrestre, o crescimento do nível de oxigênio na atmosfera começou a exercer forte pressão seletiva nos processos de oxidação biológica. Como resultado, surgiu o processo metabólico de respiração aeróbica, que aproveita o oxigênio para produzir energia para as células de uma forma muito eficiente sob condições oxidantes. Uma vez implantado em micro-organismos eucarióticos, permitiu o desenvolvimento de células maiores e mais complexas e a compartimentalização de funções metabólicas em organelas intracelulares, até mesmo a diferenciação de um núcleo distinto. Evidências geoquímicas e paleontológicas sugerem que o teor crítico de oxigênio na atmosfera (1% do nível atual) para o surgimento dos eucariotos teria sido atingido há mais de 2 bilhões de anos. Mesmo assim, os eucariotos, ainda microscópicos, só começaram a se destacar no registro paleontológico em torno de 1,2 bilhões de anos atrás, como consequência da reprodução sexuada. A diversidade genética e morfológica proporcionada pela sexualidade, juntamente com o aumento do nível de oxigênio na atmosfera até um patamar crítico, há cerca de 590 milhões de anos, levou ao surgimento dos primeiros metazoários megascópicos. Entre 545 e 525 milhões de anos atrás, ocorreu a “explosão cambriana” de animais com conchas e carapaças, na verdade, uma irradiação muito rápida dos filos de invertebrados – moluscos, artrópodes, equinodermes etc. – que estabeleceu novos modos e um ritmo muito mais rápido da evolução biológica no Fanerozóico.

Desde pelo menos 3,5 bilhões de anos atrás, a interação entre biosfera, atmosfera, hidrosfera e litosfera, representada por processos intempéricos e biológicos, resultou na transformação de praticamente todo o CO2 originalmente presente na atmosfera em rochas carbonáticas (calcários) e matéria orgânica soterrada na litosfera. Consequentemente, a densidade e a pressão da atmosfera caíram para 1/60 de seu valor original; a proporção relativa de nitrogênio e outros gases pouco reativos na atmosfera aumentou; e a fotossíntese elevou o nível de oxigênio a quase 21% da atmosfera. Com isso, a alta temperatura da superfície terrestre, resultante do efeito estufa exercido pelo gás carbônico na atmosfera original, diminuiu gradativamente a ponto de permitir a formação de calotas de gelo, pela primeira vez, no início do Proterozóico e, a partir de 750 milhões de anos atrás, de maneira mais freqüente. Desde o Cambriano, há mais de 500 milhões de anos, a atmosfera, a litosfera e a hidrosfera, originalmente inóspitas à vida pluricelular, sustentam ciclos e interações envolvendo a biosfera que sustentam a continuidade da vida complexa até hoje.

Ao longo do Fanerozóico, a biosfera experimentou outros saltos na complexidade de suas relações com as outras “esferas”, por exemplo, ao invadir os sedimentos do fundo dos mares (animais da infauna), no Cambriano, e especialmente com a conquista dos continentes pelas plantas vasculares, alguns poucos filos de invertebrados (anelídeos, artrópodes, moluscos etc.) e vertebrados, no Paleozóico inferior e médio. Com isso, a vida vegetal passou a constituir parte, fisicamente importante, da superfície dos continentes que exerce forte influência na transformação físico-química de materiais rochosos expostos na superfície. O sucesso atual dos artrópodes, com milhões de espécies só de insetos, e das plantas com flores (angiospermas), que somam quase 300 mil espécies, sugere que a Terra vive atualmente seu período de maior complexidade biológica.

Texto extraído e modificado de: TEIXEIRA, W. et al. Decifrando a Terra. 2ª ed. São Paulo : Cia Editora Nacional, 2009, p. 544-549.

QUESTÕES

Por que o texto considera importantes os impactos dos meteoritos na Terra? Isto se modificou ao longo do tempo?
Sobre o fluxo de calor radiogênico, fale de sua origem e evolução, dos primórdios da Terra aos dias atuais e do seu papel na história geológica da Terra.

As transformações geológicas deram condições ao surgimento da vida na Terra. O surgimento e desenvolvimento da vida levaram a mudanças geológicas?

Nenhum comentário:

Postar um comentário