LICHT, Otávio Augusto Boni. Prospecção geoquímica: princípios, técnicas e métodos. Rio de Janeiro: CPRM, 1998, 236 p
Sob o ponto de vista geológico e geoquímico, a Terra é um sistema dinâmico, onde os materiais são movimentados de um local para outro, mudando de forma e composição. Tudo isso é feito por uma grande quantidade de processos, tais como fusão, cristalização, erosão, solução, precipitação, vaporização e decaimento radioativo.
Esse grande sistema, extremamente complexo, pode, entretanto, ser simplificado em dois grandes grupos, com base na pressão, temperatura e fluidos disponíveis. Assim, o ambiente profundo, também denominado hipógeno, primário ou endógeno, caracteriza-se por altas temperaturas e pressões, com circulação restrita de fluidos e baixo teor de oxigêncio livre. A ele pertencem os processos magmáticos, metamórficos e hidrotermais.
O ambiente superficial, também denominado supérgeno, secundário ou exógeno, caracteriza-se por baixas pressões e temperaturas, uma movimentação livre de soluções e pela maior ou menor quantidade de oxigênio livre, água e CO2. Fazem parte desse ambiente os processos de erosão, intemperismo, sedimentação e diagênese.
Dispersão e ciclo geoquímico
Uma dada massa de material na Terra, normalmente não mantém sua identidade à medida que passa pelas transformações do ciclo geoquímico, mas, ao contrário, tende a ser redistribuída e fracionada e ainda misturada com outros materiais. A movimentação dos materiais de um para outro ambiente pode ser didaticamente visualizada através da figura 2.1. Começando pela direita do diagrama e andando no sentido horário, vêem-se rochas sedimentares sendo progressivamente metamorfisadas, à medida que são submetidas a temperaturas e pressões progressivamente maiores, com acréscimo de eventuais de componentes externos ao sistema. As rochas submetidas a tais condições podem atingir um estado tão fluido que, durante um processo de fusão posterior, poderão vir a se diferenciar em vários tipos de rochas ígneas e de fluidos hidrotermais. Quando uma erosão expõe a suite de rochas resultantes ao ambiente superficial, os elementos que as compõem são redistribuídos pela atuação dos agentes do intemperismo. Uma série de rochas sedimentares químicas, clásticas ou clastoquímicas pode então se depositar e o ciclo recomeça.
Esse processo, no qual íons e partículas se movem para novos locais de dispersão geoquímica, é chamado de dispersão geoquímica. Toda a dispersão ocorre em um sistema aberto e dinâmico, onde os materiais geológicos são submetidos a mudanças de quimismo do ambiente, temperatura, pressões, tensões mecânicas e outras condições físicas. As rochas ou minerais e os grãos ou íons neles contidos, estáveis em determinado ambiente, são liberados e dispersos, tanto pela ação de processos químicos quanto físicos.
A dispersão pode ser o resultado da atuação de agentes exclusivamente mecânicos, tais como a injeção de magmas ou movimentação de materiais superficiais por ação das águas das drenagens.
Exceto na segregação natural, caracteristica das aluviões areno-argilosas, os processos puramente mecânicos de dispersão envolvem a mistura, mas não a diferenciação dos materiais dispersos em frações específicas. Pelo contrário, os processos químicos e bioquímicos comumente criam frações de composição bastante diversa. As frações mais móveis tendem a abandonar o seu hospedeiro original quando estiverem disponíveis condutos e gradientes físico-químicos mais adequados. Quando uma fase móvel entra em um novo ambiente, uma parte do material introduzido pode se depositar em virtude das novas condições de equilíbrio do sistema.
Segundo Rose, Hawkes e Webb (1979), a dispersão pode ser profunda ou superficial, dependendo do ambiente geoquímico em que ocorrer, e primária ou secundária se ocorrer durante a formação do depósito mineral ou em um estágio tardio. Nas proximidades dos depósitos magmáticos e da maioria dos hidrotermais, a dispersão primária está relacionada ao ambiente profundo e a dispersão secundária ao ambiente superficial. Entretanto, é necessário que se faça uma distinção entre o ambiente (profundo versus superficial) de formação e dispersão da mineralização. A dispersão primária inclui todos os processos que conduzem ao posicionamento de elementos durante a formação de um depósito mineral, não importando o modo como o depósito tenha se formado. A dispersão secundária aplica-se à redistribuição das feições primárias por qualquer processo posterior, geralmente no ambiente superficial. Para as mineralizações formadas por soluções hidrotermais e em profundidade, os dois termos têm significados similares. Para os depósitos sedimentares singenéticos, entretanto, as feições primárias seriam aquelas formadas durante a sedimentação (tabela 2.1) e as secundárias seriam as formadas posteriormente, casos o depósito fosse exposto ao intemperismo ou se o depósito fosse metamorfisado após a formação.
Embora a terminologia possa ser confusa, é importante distinguir entre ambiente e momento em que o processo ocorre, pois é o conjunto que determina as características da dispersão geoquímica resultante.
Na dispersão profunda, os canais e locais de migração e redeposição são as fissuras e os espaços intergranulares das rochas posicionadas em profundidade. Por outro lado, a dispersão superficial se desenvolve próximo da superfície ou nela mesma, possibilitando a formação de feições nas fissuras e juntas de rochas próximas da superfície, na cobertura inconsolidada, nas drenagens, lagos, vegetação e mesmo no ar (Rose, Hawkes e Webb, 1979).
O geoquímico de exploração procura traços dos elementos químicos que tenham se dispersado a partir de corpos mineralizados. Esses processos de dispersão normalmente dão origem a uma área-alvo, consideravelmente mais ampla que a própria mineralização. Isso facilita o processo de prospecção, já que é necessária uma densidade de amostragem (quantidade de amostras/unidade de área) muito menor para que a descoberta aconteça.
Além disso, o geoquímico de exploração se interessa pelas feições de distribuição dos elementos mineralizadores, porque ele deve ser capaz de distinguir essas feições normais daquelas relacionadas a corpos de minério.
Classificação geoquímica dos elementos
Segundo Krauskopf (1972), V. M. Goldschmidt[1], pequisador pioneiro das regras de distribuição dos elementos químicos, sugeriu uma classificação baseada no seu comportamento geoquímico. A classificação proposta fundamentou-se na teoria quanto nas experimentações que realizou com três tipos de materiais.
· Os três tipos de meteoritos Fe-Ni, troilita (FeS) e silicato, pressupondo que a composição média deles fosse semelhante à da Terra primitiva e que todos tivessem sido sujeitos à uma diferenciação similar;
· - As fases metálica, escória (silicatos) e mate (sulfeto) dos processos metalúrgicos;
· - As rochas silicatadas e as mineralizações sulfetadas.
Os resultados desses estudos mostraram que a distribuição dos elementos nos meios amostrados por Goldschmidt se ajustavam com boa precisão às suas hipóteses de trabalho, o que possibilitou que ele propusesse uma classificação geoquímica para os elementos.
1. Siderófilos – com afinidade pelo ferro e se concentrando no núcleo da Terra;
2. Calcófilos – com afinidade pelo enxofre e concentrados nos sulfetos;
3. Litófilos – com afinidade pela sílica e concentrados na crosta terrestre sob a forma de silicatos;
4. Atmófilos – presente como gases na atmosfera;
5. Biófitos – comumente encontrados nos organismos vivos (não constava da classificação original).
Para os propósitos da prospecção geoquímica, os métodos de Goldschmidt e a classificação proposta (tabelas 2.2 e 2.3) são eficientes para explicar a distribuição dos elementos-traço e menores, em minerais e rochas ígneas principalmente para os elementos litófilos (figuras 2.2 e 2.3)
Tabela 2.3 – Classificação geoquímica dos elementos de Goldschmidt sobre a tabela periódica de Mendeleev.
Alguns elementos litófilos, como por exemplo o Cs e o Rb, por terem um raio iônico muito grande em relação aos elementos formadores de minerais abundantes, como o Zr 4+, o Ta5+ e o Nb5+, e outros por terem cargas muito altas, não participam em grandes quantidades das estruturas dos minerais formadores de rocha. Eles concentram-se nos fluidos residuais onde eventualmente vão cristalizar nos minerais, geralmente no estágio pegmatítico. Outros elementos de interesse particular em prospecção geoquímica cristalizam em veios sulfetados (por exemplo, Cu, Pb e Zn) ou na forma nativa (por exemplo, Au e Ag).
Associações dos elementos
Os elementos tendem a se associar nos processos geológicos devida às suas mobilidades relativas. Observando o conjunto de ambientes nos quais dois elementos estão associados, a razão entre eles permanece relativamente constante, de modo que os teores elevados de um são acompanhados por valores elevados do outro e vice-versa. Alguns elementos mantêm associações características em um amplo espectro de condições geológicas e podem se mover juntos durante a maioria dos processos do ambiente profundo (hipogênico), rompendo-se essa afinidade sob as condições ambientais do ambiente superficial. Outros são característicos de rochas plutônicas muito específicas e dos minérios oxidados associados, ou de minérios sulfetados ou de certos tipos de minérios sedimentares. A presença de um membro associado sugere a presença dos outros (tabela 2.4).
[1] Victor Moritz Goldschmidt ( Zurique, Suíça, 27 de Janeiro de 1888 – Oslo, Noruega, 20 de março de 1947 ) foi um químico norueguês. Junto com sua família foi para a Noruega em 1901. É considerado como o co-fundador junto com Vladimir Vernadsky da geoquímica moderna e da química dos cristais.
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