Das
tendências seculares observadas na natureza, a mais fundamental é expressa pela
segunda lei da termodinâmica: a entropia do Universo sempre tenderá a aumentar,
ou seja, a matéria e a energia estão degradando-se ruma a um suposto final de
inércia uniforme e total.
Por
meio desse fenômeno termodinâmico, podemos entender a passagem do tempo, pois,
se tudo permanecesse igual, como poderíamos distinguir o presente, o passado e
o futuro? Essa lei fundamenta, ainda, as teorias da evolução do Universo e
explica o decréscimo secular na geração de calor pelo decaimento radioativo de
materiais naturais. O aumento de complexidade da biosfera na história da Terra
pode parecer, à primeira vista, uma exceção à segunda lei da termodinâmica, um
paradoxo. Mas não é, porque, em termos cósmicos, a biosfera é efêmera,
dependente da fotossíntese, que é sustentada pela energia irradiada pelo Sol.
Quando o Sol se extinguir, daqui a quatro ou cinco bilhões de anos, toda a
complexidade biológica acumulada será desfeita e a energia e a matéria
associada a ela se dissiparão, finalmente, no Cosmos.
A fase cósmica de
impactos meteoríticos na superfície terrestre
A
Terra, como todos os outros corpos maiores do Sistema Solar, formou-se pela
aglutinação de partículas de tamanhos diversos, desde poeira até asteróides.
Contudo, mesmo depois de formada, a Terra continuou a sofrer uma chuva de
poeira e a ser bombardeada por meteoritos e cometas dos mais variados tamanhos
e composições. Entre 4,56 e 3,85 bilhões de anos atrás, a frequência de
impactos era cerca cem vezes maior do que hoje em dia. Calcula-se que dezenas
de crateras com diâmetros maiores que 500 km, e pelo menos 25 maiores que 1.000
km, devem ter-se formado. Depois, a taxa de impactos diminuiu, até atingir um
valor mais ou menos constante, próximo ao atual, em torno de 3 bilhões de anos
atrás.
Nessa
época, esses impactos teriam sido tão importantes na diferenciação e na
remodelagem da crosta e porção externa do manto superior como os processos
normais da dinâmica terrestre. Os efeitos desses impactos foram diversos, desde
devastadores até restauradores. Os maiores teriam volatizado grandes massas de
crosta e manto, elevando a temperatura atmosférica globalmente, a ponto de
causar a evaporação dos mares e extinguindo qualquer tipo de vida precoce que
porventura existisse na época. Teriam sido, assim, verdadeiros impactos
esterilizantes. No entanto, há quem considere que parte da hidrosfera ou até as
primeiras formas de vida possam ter sido trazidas à Terra por cometas nesse
período.
Consequentemente,
é difícil encontrar vestígios de crosta terrestre dessa fase da história da
Terra. Dizem alguns geólogos que os impactos teriam induzido as primeiras
subducções de crosta máfica fina (microplacas). Por essas razões, o período
anterior a 3,85 bilhões de anos é chamado de fase cósmica da Terra, que
corresponde aproximadamente, ao Éon Hadeano.
Desde
pelo menos 3,8 bilhões de anos atrás não houve qualquer impacto esterilizante à
vida e nos últimos 3 bilhões de anos, o bombardeio cósmico do planeta mantém-se
mais ou menos constante, com impactos maiores ocasionais.
Fluxo de calor
radiogênico e a formação de crosta continental
Semelhante
à taxa de impactos de meteoritos, o fluxo de calor gerado por decaimento
radiativo também foi muito maior durante a fase cósmica da Terra, por causa da
maior abundância dos elementos de meias-vidas curtas nas primeiras etapas da
evolução geológica. O calor gerado dessa maneira há 4,5 bilhões de anos era
mais de quatro vezes superior ao valor atual. Já que essa é a principal fonte
de calor que movimenta as placas litosféricas, funde as rochas e promove a
desvolatização do interior do planeta, responsável pela liberação de boa parte
da atmosfera e hidrosfera, podemos imaginar um tenebroso mundo hadeano de
intenso vulcanismo – um cenário que só se atenuou ao longo do Éon Arqueano. As
evidências apontam para um regime tectônico caracterizado por placas pequenas
(microplacas) e células de convecção menores, mas com taxas de reciclagem
talvez cinco a dez vezes mais rápidas do que hoje.
É
de se esperar que, em função da maior intensidade dos processos de
diferenciação e fracionamento de crosta oceânica em crosta continental, um
volume considerável de crosta continental deve ter-se formado nos primeiros 40%
da história geológica da Terra, correspondentes aos éons Hadeano e Arqueno.
Nesse período, os basaltos, as rochas sedimentares e as rochas graníticas
tornaram-se geoquimicamente cada vez mais diferenciados, e as microplacas, ao
colidirem entre si, deram lugar gradativamente a novas placas cada vez maiores.
Essa etapa culminou, ao final do Arqueano, com a aglutinação de grandes massas
siálicas de dimensões continentais, regidas por ciclos tectônicos mais lentos.
Desde então, o ritmo de diferenciação e formação de nova crosta vem diminuindo,
de modo geral, em consonância com o decréscimo na produção de energia
radiogênica.
Evolução biológica
O
registro fóssil do Fanerozóico difere fundamentalmente do registro do
Pré-Cambriano por causa da expansão explosiva de metazoários com partes duras
(conchas, carapaças, escamas etc.), começando em torno de 550 milhões de anos
atrás. A análise dos fósseis e dos organismos que os deixaram antes e depois
dessa data revela como o próprio modo e o ritmo da evolução se modificaram com
a irradiação evolutiva dos animais. Os primeiros 7/8 do desenvolvimento da vida
(durante o Pré-Cambriano) foram dominados por formas microscópicas, organismos
procarióticos, de morfologia simples, hábitos de vida generalizados, reprodução
assexuada e taxas evolutivas lentas. O Fanerozóico, o mais recente 1/8 dessa
história, foi palco da ascensão dos organismos eucarióticos de tamanho microscópico,
morfologia complexa, hábitos especializados, reprodução sexuada e taxas
evolutivas rápidas.
Na
história dos organismos eucarióticos houve muitos eventos de diversificação e
extinção, tanto nas formas macroscópicas quanto nas microscópicas (microalgas,
protistas e outros). A evolução biológica é marcada, na verdade, por uma série
de saltos na complexidade da biosfera, provocados por inovações evolutivas com
importantes consequências para a própria evolução do sistema Terra. Nos
ecossistemas microbianos dos mares hadeanos e arqueanos, surgiram praticamente
todos os processos metabólicos básicos à vida, com destaque para a
fotossíntese. Após o aparecimento, há pelo menos 2,7 bilhões de anos (e
provavelmente antes), da fotossíntese que forma compostos orgânicos e libera
oxigênio a partir de dióxido de carbono e água, a litosfera, a atmosfera, a
hidrosfera e a própria biosfera sofreram profundas transformações.
No
Arqueano, o oxigênio em excesso reagia quase imediatamente com os compostos
químicos reduzidos ao seu alcance, em especial gases vulcânicos, minerais e
compostos químicos dissolvidos na hidrosfera. Portanto, o oxigênio não se
acumulava, pelo menos inicialmente, na atmosfera primitiva. Entre 3 e 2 bilhões
de anos atrás, contudo, esse processo resultou finalmente na oxidação da
superfície da Terra, do ar e dos compostos quimicamente reduzidos na água
(principalmente o ferro ferroso nos mares), levando a deposição de dezenas de
bilhões de toneladas de minério de ferro, sob a forma de formações ferríferas
bandadas.
Depois
da oxidação da hidrosfera e da superfície terrestre, o crescimento do nível de
oxigênio na atmosfera começou a exercer forte pressão seletiva nos processos de
oxidação biológica. Como resultado, surgiu o processo metabólico de respiração
aeróbica, que aproveita o oxigênio para produzir energia para as células de uma
forma muito eficiente sob condições oxidantes. Uma vez implantado em
micro-organismos eucarióticos, permitiu o desenvolvimento de células maiores e
mais complexas e a compartimentalização de funções metabólicas em organelas
intracelulares, até mesmo a diferenciação de um núcleo distinto. Evidências
geoquímicas e paleontológicas sugerem que o teor crítico de oxigênio na
atmosfera (1% do nível atual) para o surgimento dos eucariotos teria sido
atingido há mais de 2 bilhões de anos. Mesmo assim, os eucariotos, ainda
microscópicos, só começaram a se destacar no registro paleontológico em torno
de 1,2 bilhões de anos atrás, como consequência da reprodução sexuada. A
diversidade genética e morfológica proporcionada pela sexualidade, juntamente
com o aumento do nível de oxigênio na atmosfera até um patamar crítico, há
cerca de 590 milhões de anos, levou ao surgimento dos primeiros metazoários
megascópicos. Entre 545 e 525 milhões de anos atrás, ocorreu a “explosão
cambriana” de animais com conchas e carapaças, na verdade, uma irradiação muito
rápida dos filos de invertebrados – moluscos, artrópodes, equinodermes etc. –
que estabeleceu novos modos e um ritmo muito mais rápido da evolução biológica
no Fanerozóico.
Desde
pelo menos 3,5 bilhões de anos atrás, a interação entre biosfera, atmosfera,
hidrosfera e litosfera, representada por processos intempéricos e biológicos,
resultou na transformação de praticamente todo o CO2 originalmente presente na
atmosfera em rochas carbonáticas (calcários) e matéria orgânica soterrada na
litosfera. Consequentemente, a densidade e a pressão da atmosfera caíram para
1/60 de seu valor original; a proporção relativa de nitrogênio e outros gases
pouco reativos na atmosfera aumentou; e a fotossíntese elevou o nível de
oxigênio a quase 21% da atmosfera. Com isso, a alta temperatura da superfície
terrestre, resultante do efeito estufa exercido pelo gás carbônico na atmosfera
original, diminuiu gradativamente a ponto de permitir a formação de calotas de
gelo, pela primeira vez, no início do Proterozóico e, a partir de 750 milhões
de anos atrás, de maneira mais freqüente. Desde o Cambriano, há mais de 500
milhões de anos, a atmosfera, a litosfera e a hidrosfera, originalmente
inóspitas à vida pluricelular, sustentam ciclos e interações envolvendo a
biosfera que sustentam a continuidade da vida complexa até hoje.
Ao
longo do Fanerozóico, a biosfera experimentou outros saltos na complexidade de
suas relações com as outras “esferas”, por exemplo, ao invadir os sedimentos do
fundo dos mares (animais da infauna), no Cambriano, e especialmente com a
conquista dos continentes pelas plantas vasculares, alguns poucos filos de
invertebrados (anelídeos, artrópodes, moluscos etc.) e vertebrados, no
Paleozóico inferior e médio. Com isso, a vida vegetal passou a constituir
parte, fisicamente importante, da superfície dos continentes que exerce forte
influência na transformação físico-química de materiais rochosos expostos na
superfície. O sucesso atual dos artrópodes, com milhões de espécies só de
insetos, e das plantas com flores (angiospermas), que somam quase 300 mil
espécies, sugere que a Terra vive atualmente seu período de maior complexidade
biológica.
Texto
extraído e modificado de: TEIXEIRA, W. et al. Decifrando a Terra. 2ª ed. São
Paulo : Cia Editora Nacional, 2009, p. 544-549.
QUESTÕES
Por que o texto
considera importantes os impactos dos meteoritos na Terra? Isto se modificou ao
longo do tempo?
Sobre o fluxo de calor
radiogênico, fale de sua origem e evolução, dos primórdios da Terra aos dias
atuais e do seu papel na história geológica da Terra.
As transformações
geológicas deram condições ao surgimento da vida na Terra. O surgimento e
desenvolvimento da vida levaram a mudanças geológicas?
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