Granitoides e séries magmáticas
As rochas graníticas,
granitoides[1] ou granitos lato sensu,
diferentemente das rochas vulcânicas, têm sido comumente vistas como produtos
de processos não magmáticos ou de mecanismos específicos de fusão da crosta
terrestre. Bonin et al. (1997) observaram que muitos autores veem os
granitoides, de modo geral, como integrantes de um contexto de metamorfismo,
desvinculando-os de uma possível relação com fontes situadas no manto. Aqueles
autores atribuíram tal interpretação à ausência de vínculos nítidos entre
granitoides e vulcanismo, exceto no caso de intrusões epizonais. Pitcher (1993)
relatou que Abraham Gottlob Werner (1749-1817) admitia que os granitos eram
precipitados de um grande oceano primitivo, enquanto James Hall e Thomas
Beddoes, em 1791, afirmavam que a afinidade química de basaltos e granitos era
uma boa evidência da origem ígnea dos últimos. James Hutton (1726-1793) (apud
Marmo, 1971) acreditava que os granitos eram o produto da cristalização de
lavas subterrâneas, mais tarde chamadas magmas
Na década de 40 e 50, no
entanto, os granitoides eram vistos predominantemente como produtos de metassomatismo
sobre rochas metamórficas, isto é, transformações de rochas preexistentes no
estado sólido, com aporte de íons. Aproximadamente com este sentido, mas por
vezes abrangendo também a anatexia[2],
foi criado o termo granitização. A geração de rochas graníticas por
metassomatismo é ainda proposta por alguns autores. A vinculação dos
granitoides com fusões menos diferenciadas mantélicas foi, no entanto,
preconizada desde o século XIX por Rosenbusch (1889), Bowen (1928) e Read
(1940), entre outros. Com os experimentos de Tuttle & Bowen (1958)
constatou-se a similaridade composicional dos granitos com as fusões de rochas
silicatadas ou com os resíduos finais líquidos da cristalização de magmas
básicos e intermediários.
As evidências experimentais
e a grande repercussão do trabalho de Chappell & White (1974) levaram
grande parte dos geólogos a admitir que os granitoides são em geral fusões de
rochas crustais, descartando a priori
suas possíveis relações com magmas menos diferenciados. Mesmo sendo esta a
ideia mais popular, a visão magmatista - vinculação dos granitoides com magmas
provenientes do manto - permaneceu e é ilustrada pela identificação dos
granitoides com as séries magmáticas nos trabalhos de Lameyre & Bowden
(1982), Tauson & Koslov (1972), Bonin (1982) e Pitcher (1992) de que os
granitoides tinham os magmas basálticos na sua origem.
Enquanto os crustalistas
enfatizam a dificuldade de explicar a abundância relativa dos granitoides
quando sua proveniência de magmas menos diferenciados é admitida, seus
oponentes salientam os padrões geoquímicos correlacionáveis de granitoides e
rochas básicas e intermediárias, bem como a similaridade composicional de
sequências plutônicas e vulcânicas. Recentemente, a ideia originária de Norman
Levi Bowen, admitindo que os granitoides poderiam ser resultado de reação
química, entre magma básico e gnaisses quartzo feldspáticos, gerando rochas
intermediárias e magma granítico, foi proposta por Lopez et al. (2005). Embora
sua resposta satisfatória às duas dificuldades anteriormente citadas seja
sedutora, o mecanismo proposto ainda carece de maiores esclarecimentos e
detalhamento.
Nas últimas décadas, a
derivação de granitoides a partir da evolução de magmas derivados do manto com
variável contribuição crustal (Barbarin, 1999), por assimilação ou
contaminação, atinge grande importância e o reconhecimento de autores
crustalistas famosos (Chappell & White, 2001). Isto vem ocorrendo,
principalmente devido à abordagem sistêmica integrando evidências da geologia
de campo, petrologia, geologia estrutural e geoquímica, além da geologia
isotópica e geocronologia, utilizada por vários autores. Bachmann et al. (2007)
enfatizaram a importância dos magmas básicos derivados do manto na origem do
magmatismo granítico, advogando a integração dos dados de todas rochas
magmáticas (plutônicas e vulcânicas de todas composições) na busca de uma
melhor compreensão dos processos que levaram à diferenciação da Terra e geração
da crosta continental.
O vínculo de muitos magmas
graníticos com fontes primárias situadas no manto é bem discutido em diversos
trabalhos das últimas décadas. Patiño Douce (1999) sintetizou de forma clara a
concepção atual com base em petrologia experimental, afirmando que os granitos
peraluminosos são as únicas rochas graníticas inquestionavelmente produzidas
por pura fusão crustal. Revisões recentes discutindo a gênese de granitoides
também concluem que o magmatismo granítico, seja o associado aos arcos,
incorpora magmas máficos provenientes do manto. Nas duas principais linhas de
interpretação das rochas graníticas, distinguem-se dois grupos de
classificações: aquelas que enfatizam o protólito da assumida fusão crustal e
as que focalizam a associação magmática em que os granitoides se enquadram.
Este segundo grupo, não preconiza um mecanismo específico de gênese,
baseando-se principalmente, nas características geoquímicas e mineralógicas da
associação de rochas ígneas.
Uma síntese dos principais
sistemas de classificação das rochas graníticas é apresentada por Barbarin
(1999) que propôs uma alternativa considerando critérios composicionais e
genéticos. Frost & Frost (2008) relacionaram parâmetros composicionais das
rochas graníticas com seus ambientes e processos genéticos, salientando-se o
papel dos magmas básicos na geração de vários tipos de granitoides. Dall’Agnol
& Oliveira (2007) demonstraram que é possível discriminar com parâmetros
geoquímicos, granitoides do tipo-A oxidados e reduzidos; os tipos oxidados
assemelham-se fortemente aos granitoides cálcio-alcalinos de arcos magmáticos
maduros, em geral denominados tipo I. A classificação de granitoides como tipo
A e S, ainda tem vasta utilização por vários autores. Nardi & Bitencourt
(2009) sugeriram critérios para classificar granitoides, ou mesmo riolitos,
como do tipo A. Os critérios sugeridos são uma síntese do que é aceito pela
maior parte dos autores. A terminologia ‘tipo S’ atualmente é mantida por
muitos autores para os granitoides produzidos por fusão parcial de metapelitos,
com ou sem a participação de magmas básicos. Enquadram-se entre os tipos S os
granitos portadores de sillimanita, cordierita e muscovita primária,
acompanhando, frequentemente, a biotita. A grande abundância de rochas
graníticas, que levou muitos autores a questionarem a possibilidade de seus magmas
parentais serem derivados da diferenciação de magmas básicos ou intermediários,
também não é satisfatoriamente explicada pela fusão parcial crustal devido à
pouca quantidade de água disponibilizada pela desestabilização de minerais
hidratados durante aquecimento crustal. Atualmente, vários autores sugerem que
a quantidade de água nos processos de fusão da crosta é muito elevada devido ao
seu intenso fluxo ao longo de condutos condicionados tectonicamente,
particularmente em cinturões colisionais em associações com migmatitos.
Nesta revisão optamos pelo
segundo tipo de classificação que busca enquadrar os granitoides em
associações, sejam as séries magmáticas, sejam associações metamórficas de alto
grau que os produziram por anatexia. Granitos associados geneticamente com
migmatitos são discutidos em revisão recente de Brown (2013). Em nosso entender
as classificações mais populares, que buscam identificar os granitoides segundo
seu provável protólito, contribuem menos para a compreensão geológica dos ambientes
tectônicos, à medida em que examinam os granitoides como eventos quase isolados
de seu contexto geológico. Da mesma forma, a pressuposição de que a maior parte
dos granitoides é simples fusão crustal rejeita, a priori, a possibilidade de que o magmatismo granítico possa
constituir adição vertical à crosta, e que, portanto, não seja responsável por
parte do crescimento crustal. Assim, fundamentados na crença de que a
diversidade de modelos, hipóteses e ideias constitui a riqueza da ciência e que
sua coexistência e interação, e não o seu embate, são o que promovem o
progresso científico, apresentamos uma revisão das séries magmáticas e
argumentamos pela retomada do estudo das rochas graníticas, também segundo esta
visão, mais integradora e cientificamente mais fértil e promissora.
Texto extraído e modificado de: Lauro
Valentim Stoll NARDI. Granitoides e séries magmáticas: o estudo
contextualizado dos granitoides. Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisas em Geociências, 43 (1):
85-99, jan./abr. 2016 87.
ATIVIDADE (1,0 ponto)
1. Informe resumidamente as
teorias sobre a origem dos granitoides. (0,4)
Resumidamente, as teorias sobre a origem dos granitoides
se enquadram em:
a) produtos de processos não magmáticos - integrantes
de um contexto de metamorfismo; essa interpretação se deve à ausência de
vínculos nítidos entre granitoides e vulcanismo. Aqui também se enquadra a
teoria de que os granitoides são produtos de metassomatismo sobre rochas
metamórficas, isto é, transformações de rochas preexistentes no estado sólido,
com aporte de íons.
b) mecanismos específicos de fusão da crosta
terrestre - a afinidade química de basaltos e granitos é uma boa evidência da
origem ígnea dos granitoides. Nas últimas décadas, muitos autores aderiram à
teoria da origem de granitoides a partir da evolução de magmas basálticos
originados do manto com variável contribuição de material da crosta, por
assimilação ou contaminação.
2. Relacione os diversos
tipos de classificação dos granitoides. (0,4)
Os granitoides podem ser divididos em vários tipos
de acordo com suas assembleias minerais, bem como critérios de campo,
petrográficos, posicionamento estrutural e ambientes geodinâmicos contribuem
menos para a compreensão geológica dos ambientes tectônicos, à medida em que
examinam os granitoides como eventos quase isolados de seu contexto geológico.
As classificações são influenciadas pela teoria abraçada
quanto à origem dos granitoides. As classificações mais usadas buscam
identificar os granitoides segundo seu provável protólito, através da fusão;
outras levam em conta apenas a diferenciação magmática. Outro tipo de busca
enquadrar os granitoides em associações, sejam as séries magmáticas, sejam
associações metamórficas de alto grau que os produziram por anatexia (fusão).
3. Estabeleça a diferença
das concepções crustalista e magmatista. (0,2)
Teoria crustalista: enfatiza o protólito que deu
origem ao granitoide, através da fusão de uma porção da crosta. Portanto, para
esta teoria, o granitoide é resultado das características químicas,
mineralógicas e estruturais de uma rocha-mãe que fundiu e depois se consolidou
pelos processos de cristalização magmática.
Teoria magmatista: focaliza a associação magmática em que os
granitoides se enquadram. Esta teoria se baseia principalmente nas
características geoquímicas e mineralógicas da associação de rochas ígneas.
[1]
Granitoide ou granito lato sensu: rocha ígnea semelhante ao granito composta
principalmente de feldspato e quartzo.
[2]
Anatexia é um processo metamórfico resultante de temperaturas elevadas, desenvolvido a
grandes profundidades, na crosta terrestre, havendo refusão magmática de rochas
preexistentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário